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quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Danças Húngaras

 Realmente não sei se é uma benção ou uma maldição a minha falta de memória. Ou melhor dizendo, a imprecisão da minha memória. Tenho a impressão de que tem piorado, mas também acho que sempre fui assim.

Pois bem, vamos ao caminho: fui à sinfônica. Depois de... quatro anos, pouco mais ou menos. Meu pai tinha assinatura da Osesp em 2020 e poderíamos, talvez, ter ido, pelo que (mal) lembro acho que houve a abertura da temporada, não sei quando parou. Aquilo ali é uma grande névoa de desespero e ansiedade e de gorgulhos e risadas. 

Depois não fui mais, porque não e porque sabia que seria difícil. Mas agora decidi ir, ver a Sétima sinfonia do Dvorak que sabia que não tinha assim uma ligação afetiva. Sabia (ou escolhi ou é meu destino) que seria melhor ir sozinha, para ver ali o que ia dar. Foi uma experiência diferente, estava bem e quando a orquestra começou a tocar imediatamente veio tudo. Lembrei um pouco de quando vi Once com a Débora, que a gente ficou completamente impactada e chorou o tempo todo. No Teatro, veio e foi e eu fiquei meio aérea, até com um pouco de sono que é como eu lido com as coisas. Mas gostei muito da abertura do Carnaval e da Sétima.

Acho que o segundo passo foi pesquisar como pronuncia Dvorak, que eu meio sabia mas não tinha certeza. Claro que a internet fez o que dela se espera e caí em algum texto sobre ele, também procurando uma referência que me é vaga da inspiração popular americana para o Novo Mundo. Vi que ele era amigo do Brahms, que super ajudou ele e outros fodidos da vida, e assim caí em Brahms, que já é um amor e tem ligação afetiva.

Pois então, Danças Húngaras. Não lembro qual era o concerto da Osesp, acho que já era com a Alsop, mas não tenho certeza. Não lembro do programa, mas aquilo de acabar e uma galera sair correndo desvairada e a gente sempre achava graça. Será que foi no mesmo dia do "não se usa apontar", com que a senhora perua o recriminou? Acho que era a Alsop, que no final dos muitos aplausos - será que foi quando vimos a Nona do Beethoven na abertura da temporada? - voltou com a orquestra e deram um bis. Uma música muito divertida, lembro que a gente ria... Era isso, alegre e divertida. Saímos comentando, e cantando o bis pra não esquecer e depois descobrir qual era. Eu nunca sabia mesmo, sempre tive péssima memória, e ele não sei. 

Aí tem outra avenida, das idosinhas que sabem das coisas. Tinha uma que estava sempre lá, devia também ter assinatura, víamos sempre; lembro do cabelo assim esbranquiçado no ombro, mais gordinha, mas pode ser uma total invenção. Às vezes a gente perguntava pra ela e ela sabia. A outra era a tia, irmã da minha vó, que sabia de tudo e também, claro, sabia qual era a música. Todas as músicas e tudo o mais. Lembro que ela ouvia um radinho de noite na cama, que pegava uma AM de Londres - será rádio pública? - e ela ouvia sempre, acho que também música clássica e lembrava de tudo. Eu acho que este foi o caminho, acho que alguém cantarolou pra ela pelo zap e ela pá. Danças Húngaras. Essa é a Quinta.

Depois, anos depois, já aqui no Teatro em que também vi coisas belíssimas, estava sozinha quando tocaram de novo. Aí já não lembro a circunstância, se foi também um bis, se foi no dia do apagão, ou qualquer outra coisa. Mas eu ri e fiquei feliz e gravei alguns áudios e mandei pelo zap, porque sempre acreditei nisso de regar a memória, a afetiva mesmo quando não dá pra contar com a outra. Pois isso ficou aqui, a música divertida é uma das Danças Húngaras. Que eu muitas vezes não lembrava que eram do Brahms, que eu sei que gosto.

Pois estava eu tendo de trabalhar e com aquela vontade absurda que move a classe trabalhadora apelei ao velho recurso de colocar música instrumental para me ajudar na concentração. Comecei pela Sétima do Dvorak, porque é assim que eu gosto das coisas. Ouvi algumas vezes e decidi visitar o Brahms. Lindíssimas as Danças Húngaras, todas, mas algumas me impactaram mais - anotei num papelinho, mas reproduzo aqui, na mesma ordem de lá: 1, 5, 11 (belíssima), 15, 16, 2, 4.

São assim divertidas e lindas e eu que não sei a diferença de um Dó pra um Lá (faz sentido? não sei, achei sonoro) fico pensando: meu, você é um gênio, olha isso que cê fez. Meu mano.

Pois bem, tava trabalhando dançandinho com a cabeça, às vezes dava uma desconcentrada mas terminei o que tinha que terminar e amanhã é outro dia. Fui repetindo e repetindo e já estava deitada quando lembrei do bis e do zap e aqui estou.

É lindo e divertido e doloroso.

sábado, 11 de julho de 2020

Preciso andar

Tava agora mesmo tomando banho e comecei a cantarolar Cartola.
É Cartola, né??
Achei tão engraçado, que em algum momento tava cantando na minha cabeça e de repente saiu em voz alta um verso bem do meio da música, nem começo de estrofe, e parei, pensando "uai, mas por que que isso eu falei em voz alta?". Vai saber, mas tava eu cantarolando Cartola e pensando que era isso mesmo, preciso me encontrar.
Estou há semanas, talvez, pensando em escrever, sempre o mesmo drama, bla bla bla. A questão é que não sinto necessidade de dizer, já há muito tempo; os dias passam, eu vivo os dias, chegam as noites e o silêncio permanece. Mas tenho sentido nesses últimos tempos, quando comecei a pensar em escrever, um certo incômodo comigo. Como se eu estivesse mesmo perdida, meio sem saber quem sou e o que trago à mesa.
Ora, mas se é verdade que um passar de olhos por estas páginas mostra que eu sempre digo a mesma coisa, repito as mesmas frases e ideias e expressões, se continua tudo a mesma, então não estou perdida, ou não mais do que sempre estive. Nada de novo e tudo aquilo. Um grande mar de nada novo. E aquilo de que a gente nunca se banha duas vezes no mesmo rio?
Não sei e não tem nada mais eu do que não saber.
A verdade é que eu devia mesmo é parar de sofismar e fazer um diário da pandemia, não é mesmo? Um documento histórico, a ser lido por ninguém além de mim, se deus quiser daqui a cinquenta anos, e dizer "olha, é mesmo, não lembrava disso!". Claro que não tenho nem de perto a disciplina necessária para fazê-lo, como prova o fato de eu vir aqui em julho pensar em talvez quem sabe escrever. Uma ótima e típica piada.
Não sei.
O que tenho pensado muito ultimamente é isso de chorar, sempre fui mais de segurar mas nos últimos anos, talvez, de repente não dá mais. Vendo filmes. Já disse isso aqui? Chorei muito no do Cézanne e no do Van Gogh, chorei muito no do menino da África do Sul, chorei muito muito na Jovem em Chamas, até vendo Titanic com C. esses dias eu chorei! Quer dizer, dei uma seguradinha por vergonha, mas se estivesse sozinha certamente abria as torneiras. Chorei muito no show da Liniker, que por coincidência entrou numa playlist agora e eu descobri que a música é do Candeia, olha que coisa.
Mas no Titanic? Lembro que não gostei quando vi pela primeira vez, quero dizer que no cinema no meu aniversário, mas quem sabe??? Depois na faculdade um professor passou naquele curso de cinema do "So What?" e eu fiz questão de faltar. Vendo agora tive mais simpatia pelos personagens, a mina de fato é ótima e bem pra frente e o cara é um amorzinho, né? Para além de galã e toda essa merda, um cara gente boa e nossa quando isso se tornou digno de nota?!
Que nem quando assisti quase sem querer o Antes do Amanhecer e como o olhar do Jesse é encantado pela Celine! Não lembrava disso, não sei se tinha me chamado a atenção ou se se perdeu, mas a construção é toda maravilhosa, do olhar.
Acho que a verdade é que tenho me achado desinteressante, o que também não é uma novidade mas também não é uma constância.
Talvez tenha a ver com o fato de não poder mais usar botas.
Então é isso: na quarentena assisti Titanic com C. e não posso negar que houve um certo grau de ludíbrio (nossa, apostaria alto em ludibriação, até acho que faz mais sentido, mas continuo amiga do Aurélio) para que essa façanha foi possível. Vou confessar: tava passando na tv, perdi os primeiros minutos mas queria ver o meme do "faz 84 anos!" e fui ficando e C. dizendo "nunca vi Titanic, é muito tradicional pro meu gosto" e pronto, dali a pouco estamos vendo a coisa toda (eu tive que sair uma hora pra dar comida pro cachorro, ou pro gato - quem sabe!) e C. depois disse que não chorou porque a tensão era grande demais. Porque, né? Se tem uma pessoa que chora é C.. Tava bem agora se descabelando porque o Karev não vai voltar na próxima temporada.
Não, e ontem que eu tava vendo uma pessoa chorando na internet pelo cancelamento de uma série e só me ocorria pensar se eu já fui assim tão jovem.
Tendo sido ou não, as coisas que importam parecem ser em muito menor número hoje em dia. E ao mesmo tempo estou eu lá chorando em Titanic, porque sentido nunca foi um dos nossos valores fundamentais, não é mesmo?
Combinado, então, vou tentar abrir aqui portas e janelas e deixar um pouco de fluxo de consciência se materializar para a posteridade.
Quarentena e tudo isso, claro que não foi por uma bota pra ficar em casa, mas pelo menos vou dormir de cobertor.

sábado, 16 de novembro de 2019

Amanhecer

Tava passando Antes do Amanhecer.
Passei o dia jiboiando, depois de sair ontem e chegar em casa super tarde. Era o que eu queria fazer, ouvir  música e talvez ali achar um sentido de estar aqui. Foi boa demais a música, mas acho que não gosto de ficar na rua até tão tarde, depois tem todo o rolo de voltar pra casa, aí dormir.
Foi uma vez, viajando com amigos, que encasquetei com essa história de ter de dormir ainda escuro, que depois que clareia é uma merda. Afinal fui dormir já amanhecendo, mas eu me engano fechando tudo e deixando uma luzinha acesa, aí não tenho bem como saber a hora e digo a mim mesma que ainda é madrugada.
Pois eis que esta noite a internet dá uma pifada e eu vejo que vai passar Antes do Amanhecer na televisão. Tenho uma coisa esquisita de às vezes demorar a ir num filme de que gosto ou que quero bem ver, às vezes nem vou. Não sei explicar, talvez seja a procrastinação de sempre, mas eu há muitos anos não assistia a este e também não vi o terceiro filme. Ouvi dizer mal e bem e não sei, ainda não fui até lá. Também não iria aqui, talvez não escolhesse para ver hoje, mas calhou de passar e começar em cinco minutos e eu disse "ah, vou ver só o começo e depois durmo" e claro que vi até o final e fiquei aqui sentindo.
Poxa, eu lembro tanto de ver esse filme naquela casa da avenida, a que ficava nos fundos do terreno e tinha um quartinho de tevê, ver também na televisão porque estava passando e depois ficar "meu deus, mas o que aconteceu?!?!". Deve ter sido bem ali por 96, pra ser nessa casa.
E depois na faculdade, anos depois, quantas vezes a gente viu esse filme?
Aí revendo hoje ainda gosto muito, mas fiquei pensando o quanto este filme, em particular, influenciou a minha vida, algumas conversas que eles tem, algumas (des)crenças, porque eu era bem nova quando vi e fiquei pensando se ele me moldou em alguma medida, ou foi só um ressoar. É só que acho que isso de ressoar não existe tanto, né, tudo vai moldando a gente.
Mas a Celine é de fato fascinante e o olhar do Jesse pra ela é adorável. Ela falando como se irrita com tudo e metendo o pau em fascista, e os dois numa onda meio atéia ou ao menos contra essas religiões chatas pra cacete. Tem duas pessoas ali; tinha antes e tem agora. Ela falando aquela viagem de deus estar na distância e na proximidade entre as pessoas.
Será que eu pensava isso, ou passei a pensar depois do filme? Será idiotia pensar que um filme desenha assim a gente? Ou se deixar desenhar por um filme?
Fiquei aqui pensando, pensando, e eu gosto ainda tanto deles.
Nossa, como eles são jovens! Meu deus, e que doida ela de sair com um maluco qualquer que jogou uma conversinha mole no trem!!
Lembrei aqui agora dos supremacistas brancos que conheci no ônibus e como até hoje eu morro de rir falando que pensei no meu rim. Totalmente não a mesma coisa, mas se pá um pouco? Mas supremacista branco, também, vamos combinar...
Como eu gostei desse filme quando assisti na salinha, e como gostava quando a gente via na faculdade e entrava em toda aquela pira. Que distante da vida agora, em que não temos escapatória nem podemos fingir que não somos adultos, e como ainda gostei tanto e ainda queria que não terminasse - não pra assistir aos outros, mas esse mesmo.
Foi uma viagem e os olhos encheram d´água e eu senti essa vontade de escrever nem sei bem o que, só mesmo pra dizer que acabei de ver Antes do Amanhecer.
Ia mandar e-mail, ia escrever no blog.
Mexeu aqui alguma coisa e vim contar, achei que você poderia entender e talvez me explicar.

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Sertão

Quando a gente dorme, vira de tudo.

Lembrava, não. Que linda a Letícia Sabatella cantando e falando Guimarães Rosa.
Eu nunca vi nenhuma adaptação, digo com tranquilidade que nunca verei, porque não há o que ver, mas gostei de ouvir, gostei bem muito. E o Daniel Dantas ali, tão lindo.

Ontem fui assistir o filme do Cézanne e do Zola e olha que coisa, nunca li o Zola. Pra entrar pra lista de algum dia. Mas quando tava na escola, a gente fez um trabalho aí sobre história da arte e eu entrei numas piras com o Cézanne, gostava dele e dos impressionistas e do Van Gogh. Meu tio me deu um monte de gravuras e um livro "para entender a arte" que eu ficava doida, e meu pai desenterrou não sei de onde uns fascículos de pintores famosos, um calhamaço, e eu queria mesmo ver esses do fim do XIX. Não gosto de pintura de gente, nem tanto de natureza morta, santo então nem pensar, mas gostava ali daqueles caras, dentro de uma ignorância do tamanho do mundo.
Então eu me dignei a sair de casa para ver o Cézanne e tem duas cenas lindíssimas no filme, uma que é ele falando com a mãe do Zola numa escada, e o fim.Gostei do filme todo, apesar de perder muita referência, mas o fim é uma coisa maravilhosa que me levou às lágrimas pela beleza. Engraçado, e era isso que eu vinha dizer, que a vida toda senti essa ojeriza a chorar em público - chorava, mas não gostava e evitava sempre que possível. Mas fui ver uma peça, há muuuuito tempo, no Rio com uma amiga e lembro de chorar muito. Não lembro o nome. Depois fui ver Once com outra amiga e a gente abriu as torneiras, chega a ser engraçado o tanto que a gente chorou sem nem saber explicar, era só a cachoeira a cada vez que o cara abria a boca. Eis um momento a que eu voltaria, se pudesse.
Mas sim, engraçado que eu fui assistir esse ano ao filme do Van Gogh e do Cézanne e achei os dois finais impactantes, já as luzes acendendo no cinema e eu meio em choque, olhando praquilo e sentindo... alguma coisa. Vi ali o porquê de eu gostar tanto do Cézanne, eram aquelas imagens mesmo, acho, da floresta e a montanha e ele sempre lá e eu também. Sempre lá.

Cheguei em casa e vi um pedaço do Sertão e não sei. Córguim. É bem nosso o córguim e eu me aproprio mesmo sem ser do sertão. A gente pode ser tão bonito, né, e escolhe ser tão feio.
Mas o mais lindo continua a ser o Guimarães; assisti acho que ano passado um documentário sobre o trabalho dele num consulado na Alemanha nazista e o pessoal contando que ele ajudou muitos judeus a escapar, arrumando visto para eles virem ao Brasil. Já contei aqui?
Lindo Guimarães e o Sertão.
Ainda nada que eu vivi alcançou o Sertão, talvez haja uma ou outra obra que se acerque, mas não é fácil. E ainda, dois finais de filmes mexeram cá em alguma coisa e me disseram da beleza da vida, beleza doída, dura como há de ser.

Vi a foto do cara no Salar de Uyuni e percebi que nunca vi as estrelas, mas quero ver.
No Salar, na Chapada, no Sertão.
Isto é o vão.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Insustentável

Esses dias, uma colega de trabalho fez aí algum comentário, não me lembro exatamente das palavras, mas na hora pensei no Kundera.
Há quanto tempo eu não pensava no Kundera?
Pensei naquela velha história das sinfonias (eram sinfonias?) e das pessoas as escrevendo (era escrevendo?) e de como é difícil compor em harmonia.
E, com o Kundera, nas dezenas (centenas?) de conversas que devo ter tido sobre ele, e "es muss sein?" e "muss ess sein" (pardon my german!) e há quanto tempo eu não pensava no Kundera?!?
A coincidência é que, assim sem querer, liguei a televisão e ia passar Anna Karenina e eu sem querer comecei a assistir e terminei - apesar de todas as dificuldades recentes que tenho tido em terminar qualquer coisa.
A ligação é óbvia para os iniciados, e o que eu me pergunto agora é o quanto esses livros participaram na minha formação. Li ali jovem; Kundera certamente na faculdade, Karenina pode ser que antes ou depois. Não sei dizer exatamente, sei que apareceu uma edição, azul, em algum momento da minha vida, e depois eu comprei a edição verde da Cosac & Naify, em tradução direta do russo. Que pira essa das traduções diretas do russo.
A gente entrou numa viagem ali, o papo da turma era a Leveza e tem o episódio maravilhoso do "você tem de ser mais leve" e etc., que minha amiga se apropriou e diz que foi com ela, mas não foi! Viu, L.?!? Você pode sair aí contando, mas nós conhecemos a verdade.
Era Kundera e Antes do Amanhecer a nossa onda e será que todos os jovens de vinte e poucos anos entram nessa onda? Já terão ouvido falar do Kundera? Vou indagar dos jovens e me preparar para a cara de espanto.
Vi o filme e não sei a Anna. Não sei se em algum momento entendi, ou se em algum momento deixei de entender - que baita personagem ele criou ali. Anna me instiga mais do que a Teresa, me deixa mais curiosa, volta com mais força. E eu lembro bem de toda a história, dos événements, ao menos, e assim sou lançada de volta aos positivistas; mas não lembro das passagens ou das explicações ou de quem tá contando a história e qual o papel desse narrador na nossa compreensão dela.
Talvez fosse o caso de voltar, mas sinceramente não sei se vou ou se, indo, termino - tenho tido essas dificuldades recentes em terminar as coisas. Engraçado, porque houve um momento em que eu era devorada por essa necessidade de chegar ao fim da história e, de repente, me comprazo no abandono. Será que a gente cresce pra aprender a deixar estar? E, outra coincidência: conversava esses dias com uma menina que se dizia potencialmente viciável e na hora entendi o que ela quis dizer. Como eu, buscando não se envolver ali nos caminhos sem volta, porque já é difícil largar um livro - um reles livro! Coisa tão desimportante! -, imagine essas paradas que entram na química do cérebro. Melhor ter cuidado.
É só que hoje são menos as coisas que me viciam, é menor a necessidade de saber o que aconteceu - ou são mais banais os mistérios impostos na atualidade. Mundo moderno e tudo o mais, e a verdade é que a gente já viu muita história, né? Quantas vezes assisto alguma coisa na televisão ou no cinema e vou completando as frases das personagens, não porque já tenha visto aquela obra, mas porque é óbvio o que eles vão dizer.
Serei também eu óbvia assim?
Os das antigas dirão que sim, que o que vou dizer agora é "não sei...".
Pois bem, não sei mesmo e fiquem vocês aí nas suas! Ora, querer interferir assim no texto de alguém!!
Mas era isso que eu vinha contar, que lembrei de Kundera e Anna Karenina assim, num espaço de dias, e atrás veio uma avalanche de memórias e angústias e conversas sem fim.
Como o errar.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Echoes

O tempo.
A sombra das raparigas em flor.
Minhas madeleines.

Eu tinha te dito que andei falando com gente que há muito não falava.
Abri assim as portas para um passado que nunca vai, sempre está aqui com a gente, ecoando numa simetria tão estranha e óbvia.

Dizia a uma amiga - já te disse que acho que já falei isso, se falei, como combinamos, fica aí escutando que é seu papel - de lembrar ali de uma juventude de dor e do resto. Tive a resposta "sofrimentos do jovem werther" e ri tanto. E ecoa um misto de dor e saudade e risos e todo o resto.
O resto.

Fato é que o tempo.
A nossa - a minha - juventude é agora de outros, que estão ali gritando e gritando e tá doendo aqui, através do tempo e dos ecos. Uma dor que em mim marca a vida, porque talvez eu tenha sempre sabido que ela é isso aí, talvez tenha sempre estado aqui. Neles pode marcar morte e dói.

Eu vejo através da janela duas meninas perdidas e me choco de só agora ter entendido o tamanho do desnorte. Nem entendi, talvez nunca alcance, apenas fiquei sabendo e surpresa com a inabilidade de ver e ecoa.

Eu ouço agora os gritos e não sei o que fazer; não há o que saber, a não ser gritar e doer junto.
A noite se aprofunda entre tambores e barulhos, e vem junto a kalunga, suassuna, a esquina e eu dizer.
Ecoam aqui todos os gritos, uma noite de quarta-feira, e eu reverbero.
Ecos.
Caos.
Cais.
Lara.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Zero

Parte 1

Tava ontem bem cansada, nem bem vestida, saindo do trabalho e uma amiga me chamou pra um negócio de um show que ia ter no centro e ela queria ir e tinha já me dito antes que ia de todo jeito, com alguém ou sem ninguém. Naquelas de "ah, já tamos aqui, queria ir pra casa dormir, mas bora lá" fomo-nos nós.
Conversa vai, comida vem, estávamos comentando do show da Liniker e os Caramelows que vai rolar esses dias e uma delas "nossa, não conheço".
Eu do meu isolamento de gente velha achava que todo mundo conhecia já conhecia Liniker, mas ela não, e nem minha outra amiga com quem falava hoje mais cedo ao telefone.
Acho que minha irmã foi que me mostrou, uma época em que estávamos assistindo um programa de TV que tinha a música na abertura e eu, como é de praxe, viciei e ouvi oitocentos trilhões de vezes.
Mas fazia tempo que não ouvia e hoje, ao mostrar pras amigas, senti daqueles arrepios da cabeça aos pés.
Chega peguei a minha caixinha canela escolhida a dedo e coloquei assim pertinho pra poder cantar sem ouvir meus desafinos e achar que canto bem.
Mas que puta música, que puta arranjo, que puta voz e que puta vozes, e que puta malemolência.
Que mundo do caralho esse em que a gente vive, com todas as mazelas e toda a dor e esses sapos gigantes que temos que engolir e os tempos sombrios, e é agora que podemos ter uma Liniker.
Que tempos maravilhosos vivemos.

Parte 2

Sei lá quando escrevi esse texto, e por que ele ficou cá guardado e não saiu a fazer suas rondas, como já determinava o mestre Bernardo Soares, mas nessa noite cheia de viagens, calhou de vir ver o que se passava neste espaço e encontrei o texto meio acabado.
O fato é que fomos ao show da Liniker e foi das melhores coisas que tive o prazer de vivenciar nesta vida.
Claro que me lembro pouco do que passou ali, ficou mais a memória de uma alegria e de presenciar um momento foda, de ouvir músicas foda e pronto. Ainda depois me mandaram algumas fotos e vídeos, que eu tenho profissão de fé viver e não fotografar (besteira, eu sei, porque a memória também é importante, mas quem lembra que tem o aparelhinho da memória dentro da bolsa quando está transcendendo???).
Mas foi lindo, lindo, lindo, e eu estava lá e vou sempre me lembrar que foi lindo, mesmo sem bem lembrar como foi.
Dizia hoje de coisas lindas: o filme do Van Gogh, que coisa maravilhosa e linda; o filme do Capernaum, que coisa porrada e linda; o filme do Almodóvar, que coisa linda e só, meu preferido dele, porque me dou ao luxo de não sentir desconforto.
Não sei, não sei, não sei. Fomos longe, hoje, eu ao menos fui, falei com muita gente com quem não falava há tempos e o passado... Tudo no passado, o de nos tornar o que éramos, o lembrar de vozes, o descobrir coisas que vivemos e não vimos, perceber como éramos idiotas de não ver.
Idiotia Coletiva.
Dizia minha amiga: a gente sofria "muito com tudo. Tudo era sofrimentos do jovem werther" e nossa, como era, mesmo. Mas como a gente riu, como a gente se amou, como estivemos juntos como poderíamos estar e ser. Falando sobre isso, uma nova amiga ensinou que "vou mostrando como sou e vou sendo como posso, jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos e pela lei natural dos encontros eu deixo e recebo um tanto" e como a gente sempre é e só pode ser como pode.
Olhar o passado e nos reconhecer, mas reconhecer como somos hoje, olhando para aquelas meninas que já não somos, mas ainda somos, porque nos tornamos o que éramos.
Bernardo, cadê você que não está aqui ao meu lado para trocarmos uma ideia e uma massagem nas costas que me doem e eu não tenho o creme?
Mas é linda Liniker, e Van Gogh, e Almodóvar, e eu escrita.

Parte 0
É só procurar!