Realmente não sei se é uma benção ou uma maldição a minha falta de memória. Ou melhor dizendo, a imprecisão da minha memória. Tenho a impressão de que tem piorado, mas também acho que sempre fui assim.
Pois bem, vamos ao caminho: fui à sinfônica. Depois de... quatro anos, pouco mais ou menos. Meu pai tinha assinatura da Osesp em 2020 e poderíamos, talvez, ter ido, pelo que (mal) lembro acho que houve a abertura da temporada, não sei quando parou. Aquilo ali é uma grande névoa de desespero e ansiedade e de gorgulhos e risadas.
Depois não fui mais, porque não e porque sabia que seria difícil. Mas agora decidi ir, ver a Sétima sinfonia do Dvorak que sabia que não tinha assim uma ligação afetiva. Sabia (ou escolhi ou é meu destino) que seria melhor ir sozinha, para ver ali o que ia dar. Foi uma experiência diferente, estava bem e quando a orquestra começou a tocar imediatamente veio tudo. Lembrei um pouco de quando vi Once com a Débora, que a gente ficou completamente impactada e chorou o tempo todo. No Teatro, veio e foi e eu fiquei meio aérea, até com um pouco de sono que é como eu lido com as coisas. Mas gostei muito da abertura do Carnaval e da Sétima.
Acho que o segundo passo foi pesquisar como pronuncia Dvorak, que eu meio sabia mas não tinha certeza. Claro que a internet fez o que dela se espera e caí em algum texto sobre ele, também procurando uma referência que me é vaga da inspiração popular americana para o Novo Mundo. Vi que ele era amigo do Brahms, que super ajudou ele e outros fodidos da vida, e assim caí em Brahms, que já é um amor e tem ligação afetiva.
Pois então, Danças Húngaras. Não lembro qual era o concerto da Osesp, acho que já era com a Alsop, mas não tenho certeza. Não lembro do programa, mas aquilo de acabar e uma galera sair correndo desvairada e a gente sempre achava graça. Será que foi no mesmo dia do "não se usa apontar", com que a senhora perua o recriminou? Acho que era a Alsop, que no final dos muitos aplausos - será que foi quando vimos a Nona do Beethoven na abertura da temporada? - voltou com a orquestra e deram um bis. Uma música muito divertida, lembro que a gente ria... Era isso, alegre e divertida. Saímos comentando, e cantando o bis pra não esquecer e depois descobrir qual era. Eu nunca sabia mesmo, sempre tive péssima memória, e ele não sei.
Aí tem outra avenida, das idosinhas que sabem das coisas. Tinha uma que estava sempre lá, devia também ter assinatura, víamos sempre; lembro do cabelo assim esbranquiçado no ombro, mais gordinha, mas pode ser uma total invenção. Às vezes a gente perguntava pra ela e ela sabia. A outra era a tia, irmã da minha vó, que sabia de tudo e também, claro, sabia qual era a música. Todas as músicas e tudo o mais. Lembro que ela ouvia um radinho de noite na cama, que pegava uma AM de Londres - será rádio pública? - e ela ouvia sempre, acho que também música clássica e lembrava de tudo. Eu acho que este foi o caminho, acho que alguém cantarolou pra ela pelo zap e ela pá. Danças Húngaras. Essa é a Quinta.
Depois, anos depois, já aqui no Teatro em que também vi coisas belíssimas, estava sozinha quando tocaram de novo. Aí já não lembro a circunstância, se foi também um bis, se foi no dia do apagão, ou qualquer outra coisa. Mas eu ri e fiquei feliz e gravei alguns áudios e mandei pelo zap, porque sempre acreditei nisso de regar a memória, a afetiva mesmo quando não dá pra contar com a outra. Pois isso ficou aqui, a música divertida é uma das Danças Húngaras. Que eu muitas vezes não lembrava que eram do Brahms, que eu sei que gosto.
Pois estava eu tendo de trabalhar e com aquela vontade absurda que move a classe trabalhadora apelei ao velho recurso de colocar música instrumental para me ajudar na concentração. Comecei pela Sétima do Dvorak, porque é assim que eu gosto das coisas. Ouvi algumas vezes e decidi visitar o Brahms. Lindíssimas as Danças Húngaras, todas, mas algumas me impactaram mais - anotei num papelinho, mas reproduzo aqui, na mesma ordem de lá: 1, 5, 11 (belíssima), 15, 16, 2, 4.
São assim divertidas e lindas e eu que não sei a diferença de um Dó pra um Lá (faz sentido? não sei, achei sonoro) fico pensando: meu, você é um gênio, olha isso que cê fez. Meu mano.
Pois bem, tava trabalhando dançandinho com a cabeça, às vezes dava uma desconcentrada mas terminei o que tinha que terminar e amanhã é outro dia. Fui repetindo e repetindo e já estava deitada quando lembrei do bis e do zap e aqui estou.
É lindo e divertido e doloroso.